INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI DESTRUIR A CARREIRA DOS DESENHISTAS?!

Uma polêmica antiga está de volta, mas quais seus méritos?

Se você não mora numa caverna e está em qualquer rede social, deve ter visto um ou dois milhares de ilustrações criadas por usuários a partir de fotos de amigos, cenas de filmes, fotos de políticos e diversas variações. Isso porque o ChatGPT, ainda o aplicativo de Inteligência Artifical mais conhecido do mundo, disponibilizou um recurso que permite transformar quase qualquer ilustração em uma imagem que parece saída de umas animações do Studio Ghibli, a famosa produtora japonesa que deu ao mundo obras como Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro.

O que se seguiu foi uma gritaria de desenhistas, artistas em geral e simpatizantes que disseram, em termos simples, que o uso de Inteligência Artificial acabaria por destruir a necessidade de ilustradores em geral, já que seria muito mais fácil e barato usar IA para criar quadrinhos, propagandas, quadros, e que era uma ofensa quase criminosa usá-la. Nestes tempos em que qualquer coisa de que as pessoas achem errado é chamado automaticamente de “fascismo” (“Seu cachorro fez xixi na calçada? Seu fascista!”), a palavrinha da moda foi usada constantemente para criticar quem pegou uma foto da avó e usou o recurso nela só para mandar a imagem à velhinha e animar seu dia.

Agora, não sei para vocês, mas essa discussão não lembra várias outras do passado?

Já Vimos Isso Antes

Quando criaram o e-mail, imagino que os carteiros imaginaram que sua profissão iria desapaarecer. Quando surgiu a televisão, toda a indústria do rádio deve ter aberto o jornal na seção de anúncios de emprego já no dia seguinte – diabos, muita gente afirmou que a TV seria até o fim do cinema! E precisamos mesmo lembrar os casos e casos de taxistas entrando em confronto físico com motoristas de Uber quando o aplicativo começou a funcionar, já que imaginavam aquele ser o fim de seu ganha-pão?

Exemplos do tipo não faltam. Mas não é preciso dizer que, no final das contas, nenhuma dessas previsões apocalípticas se concretizou. Os carteiros ainda estão por aí, o rádio e o cinema ainda têm seu espaço e os taxistas convivem com os motoristas de Uber pelas ruas de todas as cidades do mundo. Sim, provavelmente alguém vai tirar da cartola um ou outro exemplo de alguma profissão que realmente desapareceu graças à chegada de uma nova tecnologia. Eu mesmo, por exemplo, desconfio que o ramo dos sinais de fumaça sofreu muito quando inventaram a escrita e a entrega de cartas. Mas há tantos exemplos assim? E casos em que o desenlace não tenha se mostrado mais benédico ao mundo em geral?

A lição universal parece ser que a humanidade sempre se adapta. As profissões e atividades comentadas acimas se adaptaram à concorrência e seguiram em frente. Algumas com menos espaço, sim, mas não deixaram de existir – ok, talvez os sinalizadores de fumaça tenham sido obrigados a migrar para o ramo da Contabilidade ou abriram uma churrascaria, admito.

O Futuro Não Espera Ninguém

A questão é que não há como deter a evolução da tecnologia. A Inteligência Artificial veio para ficar e vai realmente mudar muita coisa no mundo. No meu ramo, então, as mudanças serão ainda mais rápidas e incisivas. Criar textos de qualidade razoável com IA demora poucos segundos e traduções de bom nível de uma língua para qualquer outra, menos tempo ainda. Em alguns anos, a IA provavelmente conseguirá redigir, diagramar e editar uma revista inteira em um dia ou menos. Posso sentar e chorar ou pensar em como melhorar, como tornar meu trabalho mais atraente para meus clientes, como melhorar a qualidade (e a criatividade) do que faço. Ou considerar abrir a tal churrascaria, é sempre uma opção.

As reclamações surgidas contra a IA neste final de semana só aconteceram porque o recurso do ChatGPT foi muito difundido, mas o mesmíssimo recurso “Studio Ghibli” já está disponível em outros aplicativos há tempos, até no Grok, que todo mundo com acesso ao X, tem. Para sermos sinceros, até pelo velho Photoshop é possível transformar uma fotografia em um desenho. Nada disso é novidade.

Claro, parece uma boa cruzada santa querer defender a pureza da arte feita manualmente, com o talento humano. E é mesmo. Mas, sejamos sinceros. Os mesmos quadrinhistas e ilustradores que lideraram as reclamações recentes letreram suas obras usando recursos do computador ou ainda criam suas letras com nanquim sobre um acetato, o método antigo? Letrerar um balão de uma história em quadrinhos à mão leva dez minutos, mas no computador leva trinta segundos. Suas ilustrações são colorizadas à mão, como foi feita por séculos, ou usam as ferramentes dos programas de design que têm instalados em seus computadores? Nem é preciso comentar a diferença de tempo entre a colorização digital e a manual.

Então, é preciso considerar se somos contra o uso da tecnologia apenas quando nos ameaça, mas se quando tira o possível emprego dos outros (letristas, coloristas etc) não tem problema, desde que nos beneficie.

Ataque e Defesa

Sim, é necessário defender sua profissão. Mas também é necessário se adaptar aos novos tempos, porque a tecnologia não vai se deter em nome deste ou daquele profissional. Já viram o que vem sendo criado no YouTube com Inteligência Artificial? Filmes incríveis, que deixam a Hollywood atual no chinelo muitas vezes, tanto pelas ideias apresentadas quanto pelas opções visuais e ritmo da edição. Hollywood deve estar preocupada com isso, achando que pode acabar soterrada? Sem dúvida. Mas garanto que vai pensar em um modo de se adaptar, provavelmente abraçando totalmente a nova tecnologia. Como já vem fazendo, aliás.

Por último, uma história. Quando entrevistei Lilian Mitsunaga, por anos a mais famosa letrista de histórias em quadrinhos do Brasil, para meu livro O Império dos Gibis (coescrito com Manoel de Souza), ela contou que, quando os computadores começaram a ser usados no letreramento de quadrinhos, ela – que passou anos e anos letrerando à mão – ficou preocupada que pudesse perder espaço. Mas o que aconteceu? Ela aprendeu como letrerar pelo computador, dominou a ferramente e aprimorou a técnica, inclusive com a criação de fontes diferenciadas e exclusivas para clientes específicos. E Lilian continua a melhor letrista de quadrinhos do Brasil, usando agora a tecnologia.

Adaptação é necessária. Novamente, defender sua profissão também. Mas perseguir ou incomodar nas redes sociais quem está apenas se divertindo modificando fotos – e, mais importante, sem ganhar dinheiro nenhum com isso – não parece o caminho correto para angariar simpatia para sua causa. É melhor usar o tempo para pensar em como lidar com o que espera a todos nós.

Concorda? Discorda? Fique livre para comentar abaixo.


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2 respostas para “INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI DESTRUIR A CARREIRA DOS DESENHISTAS?!”.

  1. Avatar de JB
    JB

    O que deve preocupar mais todo mundo é um trabalho feito usando IA ser apresentado como feito por um humano. Os trabalhos feitos usando IA (digo totalmente, não parcialmente feitos, como no caso de ferramentas do Photoshop), deveriam vir com uma espécie de “assinatura automática da IA”, para não poder ser apresentado como originalmente feito por um humano.

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    1. Avatar de Maurício Muniz
      Maurício Muniz

      Pode realmente ser uma boa opção.

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